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Muito se fala no tal “estilo próprio”. Você tem que buscar o seu próprio estilo. Adapte as tendências ao seu estilo. Não seja uma vítima da moda; uma arara-de-boutique sem estilo próprio.

Estilo próprio: a típica expressão já quase vazia de significado. Banalizou. Virou clichê.

Pensando bem, a indústria da moda não quer que você tenha um estilo próprio. Ou melhor, ela nem liga se você tem ou não um estilo próprio. O que ela quer é que você compre as peças da nova temporada, que você sucumba às tentações, que você acredite que precisa daquilo que ela te propõe. É, a indústria da moda é uma indústria como todas as outras.

O consumidor ideal e almejado é, simplesmente, aquele que embarca em todas as ondas, que ama as novidades e que está disposto a gastar uma boa parte da sua renda com essa brincadeira de seguir as últimas tendências. Ele é como aquele geek que sempre é o primeiro a comprar o último badulaque tecnológico. É o estandarte da nova temporada. O consumidor ideal, portanto, não está nem aí para o fato de que essa modelagem de calça veste supermal nele. Ele não pensa se ele gosta ou não daquele modelo que a Balmain acaba de tirar lá do fundo do baú. Está em alta? Ele usa. Em outras palavras, ele consome. Agora, se ele o faz adaptando isso ao seu estilo ou não é outra história. Talvez ele tenha um estilinho marcado que não o impede de adaptar-se as todas ou a quase todas as tendências à perfeição. Talvez ele seja apenas uma vítima da moda que passa uma imagem amorfa, sem personalidade, quase digna de pena. Mas, afinal, quem se importa? A indústria não.

Claro que esse modelo de consumidor não responde – a priori – à maioria dos consumidores. Por isso, para fisgar os clientes e aproximá-los o máximo possível ao padrão de consumidor ideal, a indústria da moda se tornou altamente competitiva, sofisticada, matemática, quase lasciva. A principal forma de conquistar e fidelizar os clientes é através da famosa criação de tendências. Podemos afirmar, sem nenhuma dúvida, que a cada estação vemos pipocar de um lado para o outro – entre pré-lançamento e lançamento, desfile e desfile, editorial e editorial – algumas referências coincidentes, não? Logo, já sabemos claramente quais são as cinco ou seis tendências-chefes de cada estação.

Há várias teorias que explicam como as tendências são criadas. Uma delas diz que a criação das tendências é uma resposta da indústria ao fato de que poucas são as pessoas que têm um estilo próprio verdadeiramente definido e autoconfiante; a maioria prefere se guiar pelos demais, usar o que todo mundo está usando. A marca que se antecipa ao que as massas querem usar com mais perfeição e corresponde às expectativas desta leva o prêmio. Outra lei nos diz que, em matéria de moda, tudo que chega a um ponto de excesso está fadado ao fim. Por exemplo: o fato de que todo mundo esteja usando leggings é um sinal da iminência do seu fim. Lembrem-se de que poucas são as coisas destinadas à categoria de clássicos eternos, incontestáveis e imutáveis (vestidinho coquetel preto, oi).

Agora imaginemos a hipótese de que essas referências coincidentes não existissem. Estamos num mundo onde não há pactos de cavalheiros nem espionagens industriais. Cada marca lança o que bem quer e bem entende. Uma coisa, assim, meio anárquica. Se não existem tendências bem marcadas, dificilmente existirão os excessos que ditam o fim do reinado de uma peça. Sei que é difícil – quase impossível – imaginar um panorama assim. Mas pensemos: se o mercado estivesse livre de tendências, como consumiríamos moda? Baseando-nos apenas nos nossos gostos pessoais e desenvolvendo o tão famoso estilo – dessa vez, essencialmente – próprio? Até que ponto o nosso estilo seria realmente próprio, independente? Consumiríamos, talvez, inspirando-nos em outras pessoas. Essas pessoas seriam, então, lançadoras de tendências, não? Outra opção seria que seguíssemos fielmente uma marca com a que nos identificamos. Mas, se muita gente se identificasse com essa marca, ela acabaria ganhando voz de autoridade para lançar tendências, certo?

Estão vendo? É impossível que, na moda, não haja a ditadura das tendências. É como uma cobra comendo-se a si mesma (visualizem a cena). A moda precisa das tendências e as tendências são uma consequência natural da moda.

Então, nesse contexto, no que o lançamento de tendências é algo inevitável, algo que responde às necessidades das marcas e dos próprios consumidores, eu pergunto: o que significa ter um estilo próprio?