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Existe um tema altamente recorrente na minha mente levemente obsessiva: os impostos de importação ridiculamente excessivos cobrados pelo Estado brasileiro e outros impostos medievais, como ICMS, aplicados em cascata. Eu sempre reflito sobre as distorções que esses impostos causam no sistema, e penso especialmente nas distorções de percepção do valor e da qualidade de certos produtos que o consumidor brasileiro acaba tendo. Mas tudo bem, eu não ficar aqui chovendo no molhado e falando coisas que todo mundo já sabe, então vamos passar a uma visualização mais prática dessa situação lamentável.

Pensemos, por exemplo, numa das mil profissões que exigem a exibição das mãos durante o trabalho: caixas de supermercado. Sim, caixas de supermercado geralmente gostam de fazer as unhas, portanto, gostam de esmaltes. Agora pensemos em qualquer esmalte-desejo, ou, mais concretamente, no esmalte-desejo do momento: Chanel… particulière, né?

Então, agora façamos uma pequena comparação entre os salários pagos ao cargo de caixa de supermercado em alguns países e o preço de um vidrinho de esmalte Chanel nesses mesmos países, e logo poderemos ver a porcentagem que um vidrinho de esmalte representa em relação ao salário e quantos vidros podem ser comprados em um mês. Separem os lencinhos de papel para chorar (ou então adotem a postura mais verde-loura de “rir para não chorar”):

Enquanto uma caixa de supermercado estadunidense poderia comprar 60 vidros de esmalte Chanel com o piso salarial da profissão, a sua colega brasileira poderia comprar 6 míseros vidrinhos. Ou seja, estamos falando de um poder de compra dez vezes maior, sendo que uma caixa americana não ganha necessariamente dez vezes mais que uma caixa brasileira, né? Claro que esse triste quadro não é reflexo apenas dos impostos de importação jurássicos cobrados no Brasil, e sim de uma série de outras coisas. Eu sei, eu sei. No entanto, podemos ver claramente como esses impostos – aliados a essa série de outros problemas estruturais e endêmicos do nosso país – causam várias distorções e injustiças no sistema.

A principal delas, para mim, é a seguinte: o consumidor brasileiro acaba endeusando demais certos produtos, como se os mesmos tivessem um valor muito superior ao seu valor real. Como os produtos importados são caríssimos e, portanto, a oferta é bem restrita, o caminho lógico e natural é o da supervalorização desses produtos. No Brasil, um simples esmalte Chanel custa um quarto [corrigindo: um quinto] do valor do salário mínimo, então é claro que a visão que se acaba tendo dele é um tanto fantasiada. Eu não quero discutir a qualidade do esmalte Chanel, porque qualidade é sinônimo de percepção. É um conceito relativo e volátil. Para mim, os esmaltes da Chanel não são lá essa cooooisa toda, não babo e já deixei de comprar há muito tempo. Acho o pincel uma droga e a duração não é lá essas coisas. Demora demais para secar. Minha opinião. É bem possível que você tenha uma visão diferente. Por isso, a idéia aqui não é discutir a qualidade do produto, até mesmo porque eu peguei o exemplo desse esmalte, mas poderia ter usado qualquer outro, como os relógios swatch, que são sonho de consumo para grande parte dos brasileiros e fora não passam de relógio para criança, colecionador ou clubber. Ou carrinhos peugeot, que na Alemanha são considerados carros de quinta categoria e no Brasil são sinônimo de luxo. Bah.

Então, vamos lá. Mais distorções do sistema?

– Pagar no mínimo o dobro do preço cobrado internacionalmente pelo produto é uma injustiça sem tamanho e nem precisa ser citada, né?

– A restrição do mercado, e da variedade e oferta de produtos. Quem se ferra, logicamente, é o consumidor.

– O simbolismo, o status, a aura de diferenciação social que um produto importado dá a quem tem acesso a ele: você está vendo a cor da minha unha? Sim, é uma cor “particular”. Sim, eu tenho R$92,00 para gastar num vidrinho de esmalte. Sim, eu sou especial. Sou diferente. Estou acima da média do zé-povinho do meu país. E, se alguém me criticar, vou chamar de pobre e dizer que isso é inveja. Sim, eu causo inveja. Vou ali comprar um pézinho de arruda. *De Chanel na laje começa a bocejar nessa hora*. Outros dirão que compram porque gostam, e porque podem, claro, mas que isso não é pecado, afinal, a intenção nunca é a de ter o tal status… ok, mas você, no mínimo, reconhece que acaba tendo o tal status, não? Então. A culpa não é sua e sim do sistema. Agora, convenhamos, status por causa de um esmalte? Façam-me o favor. Ter uma elite tão alienada e descomprometida é um caso de vergonha nacional ou não?

– A sonegação dos impostos: já sabemos que as empresas que se dedicam a importar são as que mais sonegam impostos no país (oi, Daslu, tudo bem?). Portanto, se deixam de pagar os impostos ao Estado, mas cobram dos consumidores do mesmo jeito, como se tivessem pagado por eles, o lucro obviamente passa a ser gigante, imoral e inaceitável.

– A fábrica de alienados iludidos: se você nunca experimentou o esmalte Chanel, porque o seu país não permite que você tenha um acesso relativamente fácil a eles, por que você opina que ele é o máximo, ou passa horas do seu dia suspirando por ele? Seria muito melhor que você pudesse prová-lo para opinar, né? É apenas um esmalte. Uma caixa de supermercado inglesa pode comprar 53 vidros por mês, lembra? Por que você se limita a apenas sonhar com algo que está longe do seu alcance, em vez se revoltar com o sistema (ou de se incomodar com quem se revolta)? Afinal, qualquer país precisa de uma classe média relativamente questionadora e consciente para se desenvolver. A nossa, infelizmente, deve ser a mais passiva do mundo. Quero deixar claro que não sou contra sonhar com produtos inacessíveis, apenas sou contra que certos produtos acabem sendo muito mais inacessíveis do que deveriam ser.

Excesso de ração para o elefante branco: entendendo o elefante branco como o ineficiente, megalomaníaco e corrupto Estado brasileiro. Afinal, a ração nunca é bem redistribuída, né? Não vou muito além, porque a minha mãe já me aconselhou a não tranformar este bloguinho em local de panfletagem política ou válvula de escape do nojo que eu sinto por todo e qualquer político tupiniquim, mas eu não resisto, né? E tenho certeza que eu não sou a única “louca” que vê altas implicações políticas em abolutamente tudo, inclusive na moda, né?

Fico por aqui. Alguém está roubando o seu queijo e você está aí suspirando por um esmalte. Pronto. Falei.