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Os sapeurs, também conhecidos como os dândis congolenses, são homens que, embora não pertençam à elite do seu país, prezam o bem-vestir, a elegância e as roupas de apurado senso estético. Idolatram as grifes. Economizam todos os seus centavos, fazem duras jornadas de trabalho, acumulam dois empregos ou inclusive deixam de comer; todos os esforços são válidos para comprar aquela calça desejada. Ainda que a casa de um típico sapeur não tenha energia elétrica ou água potável, o sapato que reluzirá nos seus pés, quando desfilar essa tarde pelas ruas de Brazzaville, provavelmente será um autêntico Fendi, ou talvez um Ferragamo. O terno? Armani. E a gravata, Façonnable ou Ermenegildo Zegna.
Assim são os extravagantes sapeurs, membros da sociedade Le SAPE [Société des Ambianceurs et des Personnes Élégantes]. A coisa começou quando os colonos congolenses passaram a imitar o estilo dos colonizadores franceses. Logo, com a proibição do uso de roupas ocidentais, decorrente do decreto ditatorial que obrigava o uso das roupas tradicionais africanas, o grupo ganhou força de movimento contracultural rebelde, já que os seus membros se recusavam a seguir essa lei.
Os sapeurs seguem uma série de regras canônicas determinadas pela sociedade – como a proibição de usar mais de três cores numa produção – e realizam competições e festas de gala, onde determinam quem é o mais elegante da noite. Hoje, os sapeurs são reconhecidos pelo seu estilo único e peculiar, já que, graças ao seu senso estético e às suas regras, desenvolveram uma identidade visual própria. Para um sapeur, a roupa é o único luxo permitido. Uma concessão feita por eles mesmos, apesar dos pesares e custe o que custar. Quando um sapeur deixa a sua humilde casa vestido de forma espetacular, sente que o mundo está aos seus pés. Essa foi a forma que esse grupo encontrou para sobreviver em meio à pobreza, neste país marginalizado pela sociedade internacional e castigado por tantas guerras.
Muitos compatriotas dos sapeurs os classificam como loucos, embora eu duvide de que alguém se resista a dar uma olhadela neles quando desfilam pela cidade. Racionalmente, pode parecer ilógico usar todos os recursos que se tem – e os que não se tem, diga-se de passagem – dessa forma. Porém, se a moda é um anestésico para a sua dor, quem sou eu para julgar? Contanto que não façam as suas famílias passarem fome e que os seus filhos não deixem de ir ao colégio, para mim está valendo.
A quem interessar possa: a Revista Geo tem uma matéria enorme e excelente sobre o assunto. Outra matéria interessante você pode ver aqui, e fotos aqui e aqui. Há uma lista de outras matérias e mais fotos aqui.
Thaís Bueno disse:
Esses eu já tinha visto em algum lugar. Incrível como nesse caso se vestir como a elite, a “nobreza” é sinõnimo de rebeldia. Normalmente é justamente o contrário que ocorre.
luiza disse:
levando pro lado chato e antropológico da coisa, você não acha curioso essa visão deles de que bem vestir = marcas européias, roupas européias e mal vestir = roupas típicas da sua própria cultura? tá que estamos aqui pra falar de moda e nem questiono o fato de escolherem não comer pra poder comprar (o que pra mim é absurdo, mas quem sou eu pra julgar o que os outros fazem ou não fazem com seu próprio dinheiro?), mas sei lá…. eu não vi com bons olhos, não. nem sei se é uma discussão cabível por aqui, mas você me parece ser mais crítica que a maioria das blogueiras de moda. fiquei curiosa pra saber sua posição =)
dechanelnalaje disse:
Oi, Luiza!
Eu acho a visão deles curiosa, sim. O que eu não cheguei a entender muito bem (porque eu desconheço a realidade política do Congo-Brazzaville) são os matizes políticos dessa revolta contra a lei (promulgada por um ditador). Algo me diz que não foi uma rebelião pelo simples desprezo às roupas tradicionais do país (coisa infelizmente muito comum em países colonizados, diga-se de passagem), e sim algo mais amplo. Pelo visto, o primeiro sapeur era um líder comunista (inacreditável) que havia morado muitos anos na França. A realidade política e social da maioria dos países africanos é muito complexa, então, sobre esse ponto em concreto (lei-desprezo pelas roupas tradicionais-rebelião), não posso dar a minha opinião.
Sobre o que eu posso opinar:
Eu acredito, sim, que eles tenham de fazer muitos sacrifícios para comprar essas roupas. Só que eu du-vi-do que eles paguem os preços originais das grandes marcas (como li por aí), até mesmo porque sabemos que o mercado negro de roupas contrabandeadas na África é uma realidade. Mesmo assim, mesmo que as roupas sejam contrabandeadas ou desviadas dos fundos de cooperação (o que é ainda pior), elas têm o seu preço, e com certeza eles devem fazer muitos esforços para consegui-las. Como eu disse, contanto que não façam as suas famílias passarem fome e/ou necessidades, eu prefiro não julgar, já que cada caso é um caso. A matéria da Geo, por exemplo, cita o caso de uma senhora que reclama do fato de o seu marido gastar o dinheiro da família em roupas. Ela preferia investir na educação dos netos, e eu acho que ela está certíssima. Nesse caso, acho que é questionável e condenável, sim. Por outro lado, li uma declaração de um deles dizendo que se sente tão impotente para melhorar as condições da sua própria vida e a realidade do país que ele decidiu não formar uma família, e investe todos os seus recursos em algo que lhe faz bem: a moda. Ele se sente melhor assim. Como eu disse, cada caso é um caso. No entanto, como grupo, é possível ver que eles são um fenômeno social, sim, com admiradores e detratores.
Deixando a questão social de lado, pelas fotos que vi, particularmente, acho que eles são muito criativos e realmente criaram um estilo incrível, próprio. Adorei as produções deles, a maneira como eles usam as cores. Achei curiosa a forma que eles encontraram para sobreviver a essa realidade – forma que pode ser questionável, sim, mas é uma forma, não? Outros usam drogas, outros viram terroristas, outras se resignam. Cada um com as suas motivações, deixando bem claro que não estou defendendo nenhuma dessas saídas. Apenas reconheço que cada um tem o direito a buscar a saída que mais lhe convém (desde que não prejudique terceiros).
Nossa, escrevi um testamento. Não sei se deixei a minha opinião clara, mas, como eu disse, prefiro opinar apenas sobre o que eu tenho direito.
Gostei da discussão.
Beijos!
Gabis disse:
Para nao deixar o meu comment de baixo incompleto:
“contanto que não façam as suas famílias passarem fome e/ou necessidades, eu prefiro não julgar”. Concordo. Se o preço a se pagar para estar na Sape vai além do dinheiro gasto nas roupas e acaba prejudicando a família, é questionável sim. Mas nao deixa de ser um caso parecido ao do alcóolatra que em vez de gastar dinheiro com a família gasta com bebida e ainda leva a família inteira para o abismo. É até melhor ter um pai sapeur que um pai alcóolatra. É tudo muito relativo. Como vc falou: cada caso é um caso.
Bisouxx!
paola scott disse:
Acho que temos disso por aqui também, né?
Não tão fashion, nem tão vistosos, mas como tem gente que deixa de comer pra comprar roupa da moda..
Mas confesso que adorei a história. É a moda transcendendo e deixando as pessoas mais felizes!
Bjs
Ana Paula Pedras disse:
Na Mag! n°17 tem uma reportagem falando dos Sapeurs. Super coloridos e impecáveis. O que mais impressiona é o contraste entre o ambiente pobre e a imagem impecável. Figuras no mínimo interessantes!
beijos,
Ana
Luiza Torres disse:
Adorei o post de hoje.Já tinha visto reportagens sobre os Sapeurs, mas não a fundo como escreveu, explicando detalhes.Muito interessante!Ai vemos o quanto a moda tem influência na cultura de forma geral,né?
E isso me fez lembrar de um grupo de uns três mendigos aqui da região que andam juntos, quase inseparáveis, e mesmo com os dias de calor insuportável aqui do Rio, eles ainda assim usam ternos velhos,calças que praticamente já não se vê mais a risca de giz, chapéu panama e andam desfilando!Super sérios, como se fossem lords,sabe?Incrível!Vira e mexe a defesa civil faz uma ação sanitária com eles,com banhos,alimentação etc,e o mais interessante é que eles pedem pra que permaneçam usando os ternos, chapéus e calças sociais.
é mole?rs
adorei o post mesmo!
beiiijo
Isa Nascimento disse:
Nunca tinha ouvido falar deles. Vou dar uma lida na reportagem, pra saber mais e forma minha opinião, pois fiquei curiosa.
Beijos!!
Lourdes Tayt-Sohn disse:
Eu adorei o post e os comentários das leitoras. Gostei demais da sua resposta e, como vc, não tenho opinião formada a respeito. Achei o visual deles muito bacana. Mas, enquanto lia, veio a minha lembrança a frase de Joãozinho Trinta que disse: Quem gosta de pobreza é intelectual, pobre gosta mesmo é de luxo. Dá o que pensar, né não? Bjs.
Letícia disse:
Nossa, adorei o post, muuuuuito interessante! Não imaginava que tinha isso em algum local do mundo!
E foi como vc disse no post: Não deixando a família passar fome, pq nao?!
Se eles já vivem na miséria lá e a moda é uma forma de ‘cura psicológica’, deixem eles ter aquele minutinho de felicidade…
Pat Camargo disse:
Adorei!!! achei eles super estilosos e como vc mesma falou , se a família não passar fome e os filhos não deixarem de estudar, tá valendo.
Quem nunca fez sacrificios em nome de um objeto de desejo, que atire a primeira pedra.
nunca tinha ouvido falar deles, adorei o post.
Sou super favorável ao : Luxo para todos!!
Sissi disse:
Também acho uma pena vestir-se bem significar para elas usar marcas européis.
Mas deixando a ingenuidade de lado, acho bem compreensível eles avaliarem o que é nacional como ruim devido aos tantos problemas, né? Direito de fuga, pelo menos. Idolatria esperada.
Muito bom post. Para pensar.
Beijos!
Thaís Nascimento disse:
Também acho uma pena vestir-se bem significar para elas usar marcas européias. [2]
Ja tinha lido sobre o assunto nao lembro onde.. Acho um fenomeno bem interessante, mas me provoca um misto de “tudo vale a pena, desde que vc nao passe por cima dos outros e esteja feliz” e “sera que se todos eles se unissem, nao poderiam fazer ALGO pra melhorar o local em que vivem”?
Bjus
(teclado sem acento u_u)
fati disse:
Nossa, muito bom o post!
Seu blog vai além da modinha, tendência que todo mundo comenta em outros blogs de moda. É inteligente! Nem sabia que existia nesse mundinho! hahaha
Bom, como carioca posso dizer q a nossa realidade não é muito distante…gosto de moda, gosto de roupas, sapato e bolsas como toda mulher. Mas confesso que é um choque de realidade andar por aí e ver a pobreza na nossa frente e mesmo assim dar 300 reais num sapato como já fiz e sei que a maioria das mulheres faz. Vejo isso em qualquer bairro…Leblon, Copacabana, Tijuca e por aí vai. Hoje em dia não gasto tanto com roupas como antes. 400 reais numa bolsa? muita gente por aí sustenta a familia inteira com isso! bjs!
Sil Nascimento disse:
Post delicioso de ler! Importante aprender que moda pode ser uma forma de contestação como essa, por mais que não concordemos com os sacrifícios muitas vezes que são impostos, como você bem destacou. Achei o uso das cores muito bonito e me lembrou aqueles senhores muitas vezes retratados no Sartorialista, ou que se pode encontrar ao vivo na Italia (pelo menos foi onde eu vi), assim acho que a influencia também não é só das marcas, mas das formas de uso também. Reflexão válida, porque na essencia há um conteúdo. Quanto ao mendigo chinês, por algumas vezes me perguntei se ele é real ou se algum dia descobriremos que era uma farsa… como também já me perguntei se a Travis na verdade não se tratava na verdade de uma senhorinha que mora numa pequena cidade inglesa, aposentada e doutora em história da moda…rs.. Eu sempre digo que a moda as vezes nos prega peças. Bjs
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Gabis disse:
Venho seguindo o blog há um tempinho mas nunca tinha deixado nenhum comentário. Hj nao me segurei. Gostei muito do post sobre os sapeurs e tb adorei (e devorei) a matéria da Geo. Concordo com a sua resposta. Eu moro em Paris e aqui tem sapeurs tb. Na verdade uma amiga minha (belga) namora um sapeur, entao eu já sabia algumas coisas sobre eles. Eu tb desconheço o início do movimento mas acho perfeitamente compreensível que eles se rebelassem contra a imposiçao de terem que usar as roupas tradicionais. Que nonsense que o Estado determine as roupas que podem ser usadas ou nao pelos cidadaos. Achei a faceta de contestaçao da “société” muito legal. Se vc parar para pensar vai ver que eles sao contestadores da realidade, sim. Eles negam em primeiro lugar a idéia de que pobreza vem acompanhada necessariamente de sujeira, falta de higiene e de modos, falta de “saber estar”. Vc pode ver que essas regras deles passam pela etiqueta e por outras condutas éticas, como nao roubar, nao se embebedar, comer pouco nas festas etc. Achei incrível o que um deles fala na matéria, se na África todos os homens fossem sapeurs nao teriam mais guerras. Achei excelente.
Outra coisa que eu queria dizer é que nao vejo nenhum problema que eles gostem das marcas européias. Eles gostam, os japoneses gostam, os brasileiros gostam, todo mundo gosta. Eles gostam do que é bom, né? Se todos os africanos tivessem que usar roupas tradicionais, nós brasileiros teríamos que usar roupa de índio? Come on… Concordo com vc que eles sao muito estilosos, o namorado da minha amiga está sempre impecável. Muitos franceses inclusive deveriam aprender com os sapeurs a arte de se vestir de forma elegante e especialmente a arte da higiene. Porque vou te dizer, alguns estao mais para o mendigo do outro post (comentário sem nenhum ressentimento da minha parte).
Aproveitando que já escrevi tanto quero dizer que adoro a sua laje. Bisoux!!!
dechanelnalaje disse:
É, esses cavalheiros dão o que pensar mesmo…
Gostei muito dos comentários de vocês. Várias visões interessantes. :-)
Beijos a todas!
liu disse:
quando eu comecei a ler o post achei até que fosse mentira
mas é bem compreensível quando se pensa que eles podem ser a reencarnação daqueles ingleses do século XIX que inventaram a moda dandi…
Raiza disse:
Adorei.Nada como um homem elegante.
Milka disse:
Não conhecia sobre eles, fiquei super curiosa e vou dar uma lida nos links que deixou!
Mas li o que vc pensa sobre e essa parte eu concordei super!
“Adorei as produções deles, a maneira como eles usam as cores. Achei curiosa a forma que eles encontraram para sobreviver a essa realidade – forma que pode ser questionável, sim, mas é uma forma, não? Outros usam drogas, outros viram terroristas, outras se resignam. Cada um com as suas motivações, deixando bem claro que não estou defendendo nenhuma dessas saídas. Apenas reconheço que cada um tem o direito a buscar a saída que mais lhe convém (desde que não prejudique terceiros).”
Cada um tem sua forma de tentar superar as dificuldades, eles escolheram a moda, talvez lhes dê auto-estima para terem força pra seguir adiante ou outra coisa, cada um com sua história!
Eu por exemplo uso e abuso de um estilo do japão chamado “Lolita” por causa de meu sério problema de auto-estima e financeiro, junto moedas por meses pra comprar minhas roupas! (Sim, moedas), e isso de alguma forma me ajuda, bem mas cada caso é um caso! Agora já acho meio absurdo deixar de cuidar da família pra comprar as roupas, mas enfim…
Tiane disse:
Meu, aonde que eles conseguem dinheiro para sustentar essas roupas?
Parece algo de outro mundo para mim!
Nina disse:
Interessantíssimo!!! E retrata tb parte do povo brasileiro…
Temos governos e mais governos que só garantem ao cidadão a ilusão do consumo como SER…Acho triste e pobre a ostentação…
A cultura do consumo fez da solidão o mais lucrativo dos mercados…