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De Chanel na Laje

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depoimento: crocs e preconceito no mundo acadêmico

05 domingo set 2010

Posted by dechanelnalaje in depoimento

≈ 201 Comentários

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auto-estima, comportamento, cultura, depoimento, personalidade, sociedade

O depoimento que recebi dessa leitora tem uma tônica bem diferente dos depoimentos publicados até agora. Ela fala do preconceito que reina no mundo científico-acadêmico em relação às pessoas que gostam de cuidar da própria aparência. Esse é um tema delicado, e eu já tinha pensado em escrever sobre algo relacionado aqui no blog: até que ponto estamos – ou deveríamos ou não estar – dispostos a enfrentar convenções de qualquer tipo (e existem mil) na hora de nos vestirmos? Seguir ou não essas convenções parece um assunto simples, afinal, podemos defender a priori que cada um use o que quiser e viva a liberdade e o Século XXI e o afrouxamento das amarras do tradicionalismo, mas na prática as coisas são mais complexas do que aparentam.

Direcionando essa reflexão para o mundo do trabalho, existem profissões mais abertas do que outras em relação à aparência. Mesmo assim, eu tenho a impressão de que toda profissão tem um certo perfil determinado. Digamos que existe uma espécie de protocolo informal em relação à maneira como cada pessoa deve vestir-se de acordo com a sua profissão. Refiro-me ao protocolo informal, pois, do formal, do obrigatório, não se tem muito como fugir (penso nos cargos que exigem uso de uniforme).

Então, o ponto é: seguimos ou não esses protocolos informais? Cultivar a aparência profissional que se espera de cada um de nós é uma forma de autopreservação, um caminho seguro, um mero cumprimento de papéis. E as pessoas que não se identificam com essas imagens pré-estabelecidas, ou que simplesmente não querem corresponder às expectativas e seguir os padrões? Estão certas, erradas? Há um preço a se pagar por essa escolha?

De modo geral, parece  que, sim, há um preço. Claro que há exceções e inclusive variações de acordo com a cultura. No mundo acadêmico, por exemplo, existe um preconceito latente em relação às pessoas que se ocupam de coisas classificadas de forma praticamente unânime como fúteis: beleza, roupas, aparência. Quando li este depoimento, me lembrei de uma professora excelente que tive. Para mim, era uma professora exemplar: culta, didática, eloquente, competente, aberta, solícita. Não demorei a descobrir que ela, apesar de todas as suas qualidades inquestionáveis e de uma trajetória acadêmica brilhante, era alvo de várias piadinhas entre professores e alunos. Essa professora era ridicularizada nas rodinhas imbecis e tinha vários apelidinhos nada simpáticos apenas porque tinha uma “aparência cultivada” (sempre estava bronzeada, maquiada, arrumadíssima e de salto).

No mundo acadêmico, se valoriza um certo desleixamento limpinho, interpretado como um sinal de que a vida intelectual daquela pessoal é tão fértil, que ela simplesmente não tem tempo para “essas coisas fúteis”. Claro que, no fundo, o mundo acadêmico também é machista (e esse machismo também é propagado por algumas mulheres que conseguiram o seu lugar ao sol). Uma amiga minha nunca se sentiu respeitada numa universidade onde conseguiu uma vaga como “contratada” (por méritos próprios), pois diziam que “patricinha, novinha e bonita daquele jeito era óbvio que havia um padrinho por trás”. O resultado? Ela foi excluída abertamente por outros professores (maioria mulheres), chegou a receber cantadas de alguns alunos e obviamente acabou ficando pouco tempo no trabalho. Tudo bem, isso tudo deu forças para que ela conseguisse um cargo público numa instituição muito mais interessante, na que ela se veste como bem quer e entende e não é desprezada por isso. E, ah, isso não ocorreu no Brasil. Ou seja, em outros países também existe esse conservadorismo no meio acadêmico .

Não entendo e chego a me irritar profundamente. A universidade deveria ser um reflexo da diversidade que existe na sociedade, um espaço heterogêneo e aberto onde cada um poderia ser como é. Afinal, estamos falando de um mundo no que o conhecimento e as idéias deveriam reinar, e tudo isso independe da forma como cada um se veste ou se cuida, dos seus crocs ou das suas ankle boots. Por essas e outras (muitas outras), a minha decepção com o mundo acadêmico é tão grande. A universidade não deveria ser uma ilha, um mundo paralelo cercado de muros e de regrinhas limitadoras.

Ao depoimento:

Primeiro, quero te parabenizar pelo blog, adoro ele, quando descobri li tudo no mesmo dia e fiquei feliz que voltou a ativa.
Enfim, vou fazer um desabafo. Se for publicar no blog por favor não coloque meu nome, me apelide do que qusier =P!
É um desabafo sobre os preconceitos que as pessoas tem com relação a aparencia, tanto das que acham essencial ter uma LV (que particularmente não gosto), tanto das que acham que usar maquiagem é coisa de gente fútil e a toa.
Durante a adolescencia tive a fase de só usar preto, mas passou, mas continuo amando tachas desde aquela época (aliás, adorei a moda das tachas pela facilidade de encontrar roupas de qualidade com tachas e coturnos sem ser em loja militar, hahahaha). Depois na faculdade, de biologia, no inicio era só camiseta, jeans e sapatilha, só! Não usava make, meu cabelo era totalmente descuidado, igual 95% dos meus colegas de faculdade. Até que descobri o rímel, depois blush, foi indo e decidi me cuidar mais (sou branquela, loira do olho claro, apagada, sem cilio nem sombrancelha, pense na diferente que só o rímel já faz!). Via as moças na TV com a make linda e decidi aprender, assim como a usar salto e pensar na roupa a usar, não só vestir a primeira que visse. Isso foi no último ano da faculdade. Aí que vi como as pessoas são preconceituosas.

Quando entrei no mestrado gastei minha primeira bolsa com roupas, coisa que nunca tinha feito. Passei a me vestir melhor, e nisso alguns blogs de moda ajudaram e muito, assim como os blogs de maquiagem. Confesso que antes lia uns que hoje peguei nojo, com suas tendencinhas, coisas que tem que ter e esnobices. Mas quem está perdida, como foi meu caso, esses blogs ajudam, te dão uma norteada,  muitos dos que sigo hoje encontrei nesses, mas tem que saber filtrar. Mesmo neles tem posts legais. Passei a ir na dermatologista, fazer exercicio, hidratação no cabelo, cuidar mais de mim sabe. E isso foi ótimo, antes eu me achava feia e acho que por isso agia como se moda fosse futilidade. Minha mãe adorou minha mudança, hahaha, meu namorado também gostou e super apoiou eu me cuidar mais. Mas aí vi que pessoas mais estudadas que deveriam ser mais abertas muitas vezes são tão preonceituosas, principalmente no meio que vivo, que é o cientifico, academico.

Nesse meio a maioria não se cuida. Conheço gente que vai trabalhar como se fosse fazer a faxina em casa no sábado a tarde, são famosos pelas crocs e roupas de gosto (muito) duvidoso, e muitos desses (claro, não todos) se acham melhores que todas as pessoas fúteis que gastam seu tempo cuidado da pele! Rola um super preconceito com quem se veste bem. Onde estudo mesmo, por parte dos outros alunos, é brincadeira todo dia, acham o máximo falar em alto e bom som que não tem tempo para futilidades como pintar as unhas ou se maquiar de manhã. Felizmente isso não acontece com os meus professores, mas já ouvi cada história. Pelo que me contaram tem muito essa bobagem nos EUA, onde uma pesquisadora com decote não tem o mesmo respeito que uma vestida que nem homem.
Isso me deixa triste, de verdade. Não por que é comigo. Mas ver o preconceito que rola por ambos os lados, sendo que cada um se acha melhor do que o outro. Ninguém é melhor do que ninguém. Ninguém é melhor por ter a “it bolsa” ou por não ter nenhum bolsa! Parece até que é impossível alguém ler Darwin e usar batom da MAC! Vaidade não tem correlação inversa com inteligencia!

Enfim, ficou enorme. É um desabafo.
Será que mais alguém passa pela mesma situação?
Abraços e parabéns pelo blog!

Obrigada à leitora que enviou o depoimento! ;-)

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podem botar água no feijão…

29 domingo ago 2010

Posted by dechanelnalaje in nem vem que nem tem

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cultura, mico, sociedade, vogue

… que eu estou voltando.

:-)

Queridos leitores, sei que devo uma explicação sobre o meu sumiço repentino. Como posso dizer? As coisas complicaram para o meu lado, nem deu tempo de processar e avisar. Fiz duas viagens totalmente imprevistas nas últimas semanas, a minha mãe vem para cá daqui a alguns dias e eu decidi fazer algumas obras  aqui em casa, também estou preparando tudo para entrar em ritmo (meio) de férias, sem contar que aqui é verão e o calor está sufocante. A correria tem sido excessiva, não sobra um segundo para entrar aqui e cultivar uma vida virtual minimamente saudável. Desculpem-me pela falta de posts e pela demora para responder aos emails e aos tuítes; espero corrigir isso em breve. Obrigada a todos pelas mensagens e pelas visitas. Valorizo muito o suporte de vocês. :-)

Aproveitando o ensejo, não posso deixar de manifestar, de forma póstuma, o meu horror com o editorial Water & Oil da Vogue Itália de agosto. Sinceramente, nem li muito sobre a arquitetura conceitual (cof, cof!) por trás do trabalho, pois era óbvio que o meu estômago embrulharia com as prováveis e previsíveis desculpas baratas e com a filosofia de boteco Cavalli* cuja finalidade seria a de justificar o injustificável. Esse editorial foi, simplesmente, o último barraco do oportunismo tétrico e repugnante. Um trabalho publicitário regido pela total falta de escrúpulos. Usar uma desgraça daquela dimensão para vender blusinha Miu Miu e brinquinho Swarovski? Poupem-me.

Um dos maiores problemas do mundinho da moda é que algumas pessoas que o habitam se transformam em extraterrestres. Elas realmente acreditam que um trapinho de seda grifado – trajado por uma modeluca exótica (argh!) e clicado pelo fotógrafo estrelinha excêntrica (argh!) do momento – justifica qualquer coisa. Qualquer coisa, mesmo. De eslavas à beira da morte desfilando a sua morbosidade cadavérica e pálida a editoriais que ridicularizam e humilham pessoas pobres e exploradas (primeira Vogue indiana da história, quem lembra?), passando pela propagação de qualquer slogan retrógrado revestido com uma aurinha cool. Sem citar a elevação de personagens que não acrescentam nada à vida de ninguém ao olimpo de celebridades fashionistas teoricamente inspiradoras. E agora eu pergunto: alguém cai nesses contos de (e para) bobos? O mais triste, caros perplexos, é que muita gente cai. E querem saber? Que a queda seja lindamente espatifante. E, do alto da minha laje, ainda estarei batendo palminhas e dando saltinhos de alegria timburtoniana, com o penteado todo trabalhado nos Bumpits.

Acho que já passou da hora de esse povo alucinado parar de acreditar nessa suposta missão messiânico-profética da moda. Esse discurso cansou, pronto. Seguinte!

Tudo bem que, de vez em quando, se extrapolem alguns papéis e se levantem algumas bandeiras e se forcem algumas barras e se adotem métodos menos ortodoxos de expressão e de comunicação, mas coisas como esse editorial chegam a ser kafkianas. É o tipo de coisa que… que… que… sei lá! Para quê? Por quê? Qual era a do negócio? Alguém anotou a placa?

Particularmente, eu adoro uma subversão, uma sacudida na moral, uma exagerada na tentativa de chamar atenção a uma causa interessante. Acho ótimo que as bundas-gordas levantem dos sofás para dar uma chacoalhada. Mas que essa sacudida, essa exagerada, essa subversão, essa chacolhada tenha algo a dizer, algo a questionar, algo a transformar, algo a debater.

Vocês realmente acreditam que um editorial como esse tem algo a dizer, a questionar, a transformar, a debater? Eu não acredito.

Moda, faça uma coisa: atenha-se ao seu papel. Quando qualquer ser humano é vítima de um desastre ecológico, a última coisa que importa são os trapinhos e os produtinhos divulgados pela Vogue. A moda pode ser um reflexo da realidade sócio-política, sim. Só que a realidade sócio-política não é um reflexo da moda. Nem vai ser. Menos, tá? Fica a dica.

Steven Maisel, um recado: muda a fórmula, vai. Não é só porque deu certo uma vez, que vai dar certo sempre. Deixando claro que “dar certo”, para gente como você, é sinônimo de “falem mal, mas falem de mim”. Fórmula defasada e ultrapassada, de toda forma, que cai por terra quando surge a seguinte questão: e se todo mundo falar mal? Ativa a criatividade aí, amigo. A Franca puxa o seu saco, mas a gente não. Me liga.

Beijos de água, sal e petróleo de uma garota que não quer se jogar da sua laje.

* Conhecem o boteco do Cavalli? Diversificação dos negócios é o nome técnico da coisa, zzzzzz.

Crédito das fotos: Vogue Itália, agosto de 2010.

consumir ou não consumir já não é a questão. como consumir: eis a questão.

04 quarta-feira ago 2010

Posted by dechanelnalaje in não caia na armadilha, publicidade na laje

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brasil, comportamento, consumo, cultura, personalidade, publicidade, sociedade

Decidi escrever algumas coisas que penso a respeito do consumo e do ato de consumir. Em primeiro lugar, eu gostaria de esclarecer que não sigo a linha do anticonsumismo, como algumas pessoas pensam. Sinto muito se vou decepcionar alguns corações comunistas, mas eu sou declaradamente fã do capitalismo, meus caros. Nutro, inclusive, uma forte simpatia pelo anarcocapitalismo. Isso se justifica pelo fato de que eu não só valorizo as liberdades individuais como creio com todas as minhas forças no poder do indíviduo. Não sou daquele tipo de pessoa maniqueísta que acha que tudo de ruim que acontece no mundo é culpa exclusiva das multinacionais, das grandes fortunas e dos Estados, e que o povo é apenas uma massa de controle e de manobra, sem voz e sem chances de mudar as regras do jogo.

Eu sou bem mais pragmática: se o jogo está ruim, todos os participantes estão jogando mal. O povo, inclusive. Então, não adianta ficar buscando culpado para tudo o tempo inteiro sem mudar de atitude e de mentalidade, sem agir, sem fazer acontecer, sem exigir que as regras do jogo mudem. No entanto, eu tenho consciência de que, sem educação, nenhum povo é capaz de evoluir a ponto de exigir alterações no sistema. Portanto, se de forma simplista eu tivesse de encontrar um culpado para todos os males da humanidade, eu diria sem pensar duas vezes: falta de educação. E por educação não quero dizer apenas colégios e universidades públicas com excelente infraestrutura, professores qualificados e bem-remunerados, bibliotecas maravilhosas, quadras de esporte e mil atividades extracurriculares. Claro que conquistar isso é um avanço para qualquer sociedade, mas eu não me refiro apenas à educação formal. Refiro-me sobretudo à sede de conhecimento, ao desenvolvimento do poder de questionar, à consciência de que ter as informações corretas confere a qualquer indivíduo um potencial revolucionário, uma poderosa ferramenta para lutar, uma arma capaz de vencer qualquer batalha. Inclusive a do consumo.

Eu vejo o consumo como um campo de batalha. Às vezes, o resultado pode ser o empate: numa relação win-win, a empresa vende/lucra e o consumidor faz uma boa compra. Muito raramente, o resultado é a derrota da empresa; imaginem uma etiqueta com o preço marcado errado, bem abaixo do preço real, por exemplo. A empresa, obrigada por lei a cobrar o preço da etiqueta, perde e o consumidor ganha. Entretanto, na maioria das vezes, quem perde é o consumidor. No nosso país, infelizmente, as coisas ocorrem dessa maneira. Sejamos honestos: com um nível educativo que sempre faz feio em qualquer ranking mundial, como os cidadãos brasileiros podem consumir (e votar) de forma relativamente consciente?

Consumir, assim como votar, é uma forma de execer poder e de exigir mudanças. Conhecer é uma forma de poder. Questionar é uma forma de poder. Se você consome usando os seus conhecimentos e a sua capacidade de questionar, ou seja, se você consome de forma consciente, você tem chances de ser um participante ativo do jogo. Melhor ainda, você tem chances de ganhar o jogo. Que produto é esse? Eu realmente preciso dele? Será que não existe um melhor? Ele tem uma boa relação qualidade-preço? Por esse preço, eu não deveria exigir uma coisa de melhor qualidade? E na hora de vender, eles me contam muitas milongas? Essa empresa é coerente com os seus princípios? Que discursos e valores eles fomentam na hora de promover o produto? Me identifico com aquela propaganda ou sinto nojo? Será que essa empresa financia algum político corrupto? Será que essa empresa trata bem os funcionários e tem uma política social-corporativa decente? E como será a política ambiental? Eu realmente posso comprar esse produto? Ele se encaixa nas minhas finanças ou seria melhor deixar para o mês que vem? Eu estou comprando isso porque quero ou simplesmente me fisgaram e atuei impulsivamente? Até que ponto os meus desejos ou inseguranças estão sendo explorados?

Esses foram alguns exemplos de perguntas que podem ser feitas na hora de consumir. Consumir um produto não é apenas levá-lo para casa. Também é financiar uma empresa, uma estrutura, uma forma de fabricar, uma forma de vender, uma forma de fazer publicidade, uma política de marketing. É muito fácil reclamar do sistema vestindo uma calça levi’s, uma camiseta do Che, calçando um all star surrado e segurando uma latinha de coca-cola. Uma postura tipicamente latino-americana, aliás. As multinacionais são as culpadas de tudo. Parece que ninguém lembra que, se todo mundo deixar de comprar determinado produto, este obviamente deixará de ser fabricado. O mais engraçado é que apenas aqueles que acreditam no poder do um e no poder do indivíduo se comportam como indivíduos. Os que acham que “a minha parte não vai fazer diferença alguma” ou que “não vou fazer isso porque ninguém faz” se comportam como massa, são massa e, portanto, merecem sofrer todas as consequências do comodismo e do conformismo. Nem adianta falar que o sistema calou a sua voz se quem a calou primeiro foi você mesmo.

Acho ótimo que as pessoas denunciem as péssimas práticas das empresas, a corrupção, os desrespeitos com os consumidores, enfim, qualquer tipo de conduta prejudicial  ao indivíduo ou à sociedade. Mas esse tipo de denúncia não deve servir apenas para alimentar o pensamento de que somos uns pobres coitados explorados pelo capitalismo selvagem e pela falta de humanidade das bolsas de valores. Cidadãos de um país terceiro-mundista que devem consumir o lixo que sobra dos outros ou que só somos dignos de comprar cópias mal-feitas, mal-acabadas e caras dos produtos internacionais, pagar os juros mais altos do mercado internacional e uns impostos de importação brutais que só protegem um empresariado interno altamente alienado que não se importa com nada a não ser com a própria fortuna. Ou que a globalização é isso aí mesmo e que veio para ferrar com tudo. Todas essas denúncias devem servir, em última instância, para que deixemos de comprar dessas empresas, para que passemos a informação adiante, para que escutem a nossa voz, para que ativemos os serviços de defesa do consumidor sempre que precisarmos, para que nos manifestemos, para que os cartórios deste país sejam inundados de processos porque – finalmente! – os cidadãos decidiram exigir os seus direitos.

Como eu já disse em mais de uma circunstância, em algumas questões que discutimos aqui: o problema principal muitas vezes não é o produto em si,  mas sim a forma como ele está sendo vendido. Questionar esses discursos é sempre válido. Tentar decifrar que valores e que ideologias estão por trás das propagandas e das informações trasmitidas pelos veículos de comunicação é um exercício saudável. Também é uma tarefa árdua, chata, dura, desanimadora. Quam atua assim muitas vezes é tratado como um otário que não tem nada melhor para fazer na vida, mas não devemos nos abater. Afinal, o que consideram algo melhor para fazer na vida? Consumir roupa-lixo, comida-lixo e entretenimento-lixo? Será que isso é melhor mesmo? Para algumas pessoas pode ser. Para mim, por exemplo, não. Afinal, eu conheço o valor do meu dinheiro, sou exigente e não me contento com qualquer porcaria.

Além do mais, atualmente não exercemos a cidadania apenas votando, respeitando o semáforo e os limites de velocidade, pagando os impostos ou separando o lixo para reciclar, mas também consumindo, analisando o que estão nos vendendo, de que forma e a que preço. Quando votamos ou consumimos, estamos transferindo o nosso poder aos políticos e às empresas. Inclusive, na minha opinião, o ato de consumir hoje em dia tem maior importância que o de votar, afinal, sem o apoio dos empresários, é praticamente impossível que um político se eleja, seja ele o Obama, o Lula ou o Hugo Chávez.  E, em plena época de eleições presidenciais, é sempre bom ficar de olho.

Update:
Caros leitores, acabo de fazer algumas pequenas porém importantes modificações na política de comentários do blog. Para conhecê-las, cliquem aqui. Obrigada!

água sanitária para clarear a pele

20 terça-feira jul 2010

Posted by dechanelnalaje in apenas pense

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auto-estima, comportamento, cultura, personalidade, sociedade

A venda de cremes branqueadores da pele cresce vertiginosamente a cada ano, em países como Índia, Coréia do Sul, China, Japão, Indonésia, Filipinas, e também em muitos países africanos. Alguns já classificam o fenômeno como o novo racismo global. A mensagem é: se você tem a pele escura e está infeliz com ela, fique tranquilo; existem mil creminhos que prometem clareá-la.

Nunca na história deste blog um post demorou tanto a ser escrito, caros mochileiros virtuais. Já apaguei cinco parágrafos e confesso que não sei como começar a falar de um tema tão delicado sem cair nas armadilhas do discurso maniqueísta, limitado e limitador. Se assim for, desculpem-me. O tema é complexo, sejamos minimamente realistas e um pouco compreensivos. Podemos nos centrar, por exemplo, na Índia, já que seria impossível falar de todos os países. Centremo-nos, portanto, naquele subcontinente de realidade intensa e caótica que sempre reserva incríveis surpresas inclusive ao viajante mais profissional, cético e objetivo (captou o clichê?).

Pois bem, a Índia é um país de formação étnica deveras complexa e variada, e apenas uma pequena parte da população – descendentes de povos arianos ancestrais e dos europeus que por lá se estabeleceram na época do colonialismo – é branca. Ter a pele clara nesse país é sinal de status, de ascendência nobree de posição social privilegiada. Quando uma criança nasce, a primeira pergunta que se faz – depois de constatado o sexo, claro está! –  é se o bebê tem a pele clara ou escura. Desnecessário dizer que um bebê de pele clara será mais bem-recebido e paparicado do que um bebê de pele escura. Agora, se for menina e escura, imaginem o drama.

De forma geral, mulheres de pele clara obtêm muitas vantagens na hora da negociação matrimonial: pagam um dote  menor e conseguem um maior número de pretendentes. Já diz o ditado popular local: para o branco, o amor é imediato. Numerosos estudos indicam que, quanto mais clara a pele de uma pessoa, maior facilidade ela terá para conseguir emprego e, inclusive, para fechar acordos e negócios de toda sorte.

Além disso, na cultura indiana, a pele clara tem, historicamente, um forte significado de feminilidade e de fragilidade. Também representa o privilégio das classes acomodadas, a proteção natural dos que dedicam o seu tempo aos chiques salões de ócio e de chá. Distingue o trabalhador braçal, que esturrica a sua pele sob o duro e impiedoso sol tropical, do trabalhador de colarinho branco. Outro reflexo perfeito dessa realidade é Bollywood. A maior parte das estrelas cinematográficas do país é gente de pele e de olhos claros, nada mais distante da realidade étnica da maioria da população indiana.

Não é de se estranhar, portanto, que muitos indianos estejam dispostos a investir no clareamento da sua pele. De passar talco no rosto a hospedar-se em spas luxuosos com programas intensivos de branqueamento, tudo vale. Por isso mesmo, os cremes clareadores hoje são o carro-chefe da indústria cosmética nesse país, que começa nas pequenas casas de produtos ayurvédicos tradicionais e termina nas gigantescas multinacionais ocidentais. Ninguém perde a oportunidade de explorar essa rentável indústria, que hoje vende cada vez mais inclusive ao público masculino. Enquanto houver demanda, obviamente haverá oferta. Isso não questiono.

No entanto, há alguns aspectos controvertidos nessa história toda, a saber: 1) a real eficácia desses cremes; 2) o perigo desses cremes para a saúde e o impacto sobre o organismo; 3) o tratamento publicitário dado à questão especialmente pelas grandes empresas do setor.

1) Muitos, muitos, muitos médicos e cientistas questionam a eficácia desses cremes. Ou melhor, provam que esses cremes prometem coisas que não se podem cumprir. Basta jogar skin bleaching no google para comprovar.

2) Esses mesmos estudiosos alertam para o perigo de alguns desses cremes, que podem manchar ou, inclusive, queimar a pele. Os mais fortes contêm, por exemplo, mercúrio, substância proibida atualmente em muitos países pelo seu grau de toxicidade. Todos são taxativos: é impossível que um creme clareie efetivamente a pele, mesmo que de forma superficial, sem conter, na sua formulação, produtos altamente prejudiciais ao organismo. Recomendo que não busquem no google imagens de pessoas prejudicadas por esses cremes, acreditem em mim.

3) As grandes empresas do setor lidam com os cremes branqueadores da mesma forma como lidam com a maior parte dos produtos cosméticos: produtos com uma funcionalidade específica que acabam cumprindo um papel especial que transcende a sua própria funcionalidade. Ou seja, ganham uma aura miraculosa. Vejamos: esse creme combate as suas rugas e faz de você uma pessoa mais feliz. Com esse shampoo, o seu cabelo ficará radiante, volumoso, macio e a sua auto-estima atingirá limites estratosféricos. Com o batom tal, a sua boca vai adquirir um tom pós-moderno e uma textura levemente siliconada e você sentirá que pode comer o mundo como se fosse uma cereja madura. Até aqui, nada de especial, né?

É. Nesse sentido, o discurso é o mesmo. Só que – convenhamos! – vender um creme branqueador de pele não é o mesmo que vender um creme que combate rugas, um shampoo de volume ou um mísero batom. É um produto que mexe com questões raciais. Repito: questões raciais. E isso num país onde a maioria da população é declaradamente racista e infeliz com a cor da própria pele. Logo, é no mínimo questionável que essas empresas queiram adotar o mesmo discurso que se usa para vender um creme anti-rugas. É lógico que o tratamento publicitário não deve ser o mesmo; caso contrário, os resultados serão desastrosos, racistas, classistas, evocadores de um passado imperialista com feridas ainda abertas. Vejam um exemplo asqueroso de um anúncio do Ponds White Beauty:

Mocinho branco se separa da mocinha morena e se compromete com a mocinha branca. Mocinha morena, com a auto-estima em frangalhos, descobre o milagroso creme Ponds White Beauty e começa a usá-lo. Mocinho branco e mocinha cada vez menos morena se encontram casualmente algumas vezes. Quando a mocinha morena já está com a pele suficientemente clara, mocinho branco a persegue e os dois terminam juntos.

Tradução: clareie a sua pele para conquistar um macho (preferentemente, de pele clara também). Ser escuro é feio. Só são viáveis as relações entre pessoas de mesma cor.  A sua auto-estima está ligada à cor da sua pele. Se você não gosta da cor da sua pele, tudo bem, nenhum problema. Temos um creminho para isso. A mocinha que clareou a pele é mais nobre que a mocinha de pele naturalmente clara, o que reforça o caráter ético de quem usa o produto, dando aquela massageada na consciência.

Vocês também sentiram nojo? Eu senti.

Lembrando que a fabricante do Ponds – Unilever – é a mesma que fabrica Dove, linha de produtos que propaga os ideais do mundo-benetton e do mundo-antiphotoshop.

Sei que muita gente vê esses produtos com a maior naturalidade. Afinal, as ocidentais também se bronzeiam loucamente. Ter uma pele levemente bronzeada também tem uma conotação de vida saudável. E confere certo status: significa que você tem tempo para ócio, dinheiro para torrar nas praias mais bonitas do planeta, dinheiro para clubes ou para a manutenção da piscina de casa. A sua vida está resolvida, você agora só quer diversão.

Na mesma linha de defesa, outros argumentam que todos os segmentos de consumidores têm o direito de que os seus anseios encontrem respostas da indústria. Mas aqui nos encontramos num ponto crucial: as empresas estão apenas respondendo à demanda desses consumidores ou estão explorando, de forma anti-ética, através dos anúncios publicitários, uma questão racial mais profunda? O clareamento de pele das orientais é o mesmo que o bronzeamento das ocidentais ou nesse angu há mais caroços? Vocês não acham triste que, em pleno 2010, ainda existam povos coletivamente complexados com a sua realidade étnica? O fracasso é de quem? Do sistema educativo, das tradições mais arraigadas, das alegorias religiosas, da ignorância? Ou isso é apenas um reflexo de umas feridas históricas que levam muito tempo para serem cicatrizadas?

Eu só sei que uma vez escutei de uma mulher negra que, se ela pudesse, “entraria num balde de água sanitária para clarear a pele”.

Achei aquela declaração tão dolorosamente profunda, tão verdadeira e ao mesmo tempo tão triste…

É tão fácil julgar alguém quando não se está na sua pele. Nunca melhor dito.

Aqui você encontra um post interessante sobre o assunto. Obrigada pelo link, Fernanda!


volta à ativa e depoimento da garota rocker: atena vs. afrodite.

11 domingo jul 2010

Posted by dechanelnalaje in depoimento

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auto-ajuda, auto-estima, blogs de moda, comportamento, cultura, depoimento, personalidade, sociedade

Queridos frequentadores desta laje,

Cá estou de volta, finalmente! Fui extremamente otimista na minha previsão de regresso. Apenas hoje pude, enfim, sentar-me para escrever e para reler com calma os emails e os comentários que vocês enviaram. Aproveito para agradecer aos que me escreveram e para avisar que, pouco a pouco, responderei a todos e escreverei sobre os temas sugeridos. Desculpem-me pela demora. Como já são três os depoimentos de leitoras que aguardam publicação, decidi retomar as atividades com um deles. Desde o início do blog, tive a firme e forte intenção de deixar um espaço aberto a todas as pessoas que quisessem falar sobre a sua má experiência com os blogs de moda e de beleza. Claro que, se alguém quiser fazer um contraponto e relatar como a leitura desses blogs foi útil à sua vida, será mais que bem-vindo também.

A leitora que escreveu o depoimento de hoje pediu para que o seu nome não fosse revelado. Decidi apelidá-la de garota rocker, vocês entenderão a razão com o interessante relato que ela deciu compartilhar conosco. Obrigada pela participação, garota rocker. O seu texto revelou que devemos lutar para nos mantermos fiéis à nossa essência e aos nossos princípios sempre, independentemente das eventuais mudanças nas formas e/ou na imagem que projetamos socialmente.

Um bom domingo a todos! :-)

Olá De Chanel.

Tenho acompanhado seu blog diariamente e estou ansiosa por seu retorno.

Sei que você deve receber centenas, quiçá milhares de e-mails com elogios,críticas, sugestões, macumba, injúrias e até ameaças.

Não sei se você tem tempo para ler todos, mas enfim.

Olha, esse depoimento é deveras importante pra mim, quase libertador, precisava escrever.

Sou de Minas, Belo Horizonte.
Advogada, vim para o norte do Mato Grosso inebriada com a possibilidade de ganhos bem superiores aos que me eram oferecidos na minha terrinha amada.
Pois bem.
Estou no norte do estado ha alguns meses.
Ao chegar aqui, constatei que o papel primordial da mulher é ser esposa-filha de agricultor.
Sim. Eles plantam, elas colhem.
E investem a grana em botox, cosméticos, roupas e maquiagens.
Ao longo do tempo, percebi que eu estava em total dissonância com a categoria feminina local.
Não faço as unhas toda semana.Nunca tingi meu cabelo. Não tenho uma Birkin. Não uso marcas.
Sequer sabia o que/quem era Louboutin  (e fui quase execrada plublicamente pela minha ignorância).
Como o homem é produto do meio, me peguei nutrindo desejos obscuros e incontroláveis de adquirir cosméticos, maquiagens, roupas, sapatos, pra me integrar ao grupo, afinal, deixei família, amigos e namorado pra trás.
Pra me antenar nas tendencias (urgh) passei a ler compulsivamente blogs de moda e beleza.
E tome frustração, porque:
a) aqui onde estou, mal vende Johnson & Johnson, quem dirá La Prairie;
b) como assim eu não tenho tempo ? Eu apenas trabalho de 08:00 às 19:00, frequento academia por um hora e depois só tenho que estudar pra
fazer concursos públicos!!! Não é possível, que nao tenho um tempinho para me dirigir à capital do estado (que dista 450 km de onde resido) pra adquirir estes itens (ao menos um blush MAC) de primeira necessidade;
c) como assim eu não tenho dinheiro??? é só comprar pelos sites e torrar toda a grana que se destinaria à minha primeira viagem pra Europa;
d) como assim meu cabelo é monocromático??? Não não e não. Há inclusive estudos publicados dando conta de que as mulheres clareiam os cabelos na mesma proporção em que enriquecem (medo).
e) E essa minha pancinha? “Conheço um cirugião excelente pra tirar esses pneuzinhos, menina!!!” (que nem são tão salientes assim, hunft.)

Some-se a isso o fato de que moro com uma pessoa que guarda diversas pilhas de revistas femininas ( pilhas estas que alcançam, seguramente, mais de 1.50 m. de altura).
Tive a oportunidade de ler o seu post expressando todo o repúdio pelas nefastas consequencias que a leitura de Capricho pode causar nas adolescentes e afirmo que a leitura de Claudia, Estilo, Caras, NOVA (nojo) também causa efeitos devastadores em mulheres adultas.
Mas enfim, lá (aqui) estava eu, frustrada e desesperada para figurar no seleto grupo de “it agro girls”.
Mas epa, epa epa, pera lá!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

A comemoração do meu aniversário de 15 anos foi com a minha irmã me levando pra ver o Deep Purple (no Mineirinho em 1998)!!!
As capas de meus cadernos eram caprichosamente estampadas com recortes de revistas de fotos do Ozzy, Ian Gillan, Robert Plant e Angus Young.
Meu diferencial era saber como montar uma barraca e não ter absolutamente nenhum ataque de frescurite nos acampamentos.
E sempre fui desencanada da aparência sem perder a beleza e feminilidade.
Durante toda minha adolescência e juventude eu sempre repudiei o estereótipo da patricinha alienada e agora eu, pré balzaquiana, eu estava me tornando uma!!!

Foi na ávida procura por blogs de moda que me deparei com o De Chanel na Laje ( o post “Como transformar seu All Star básico num Louboutin foi uma iluminação pra mim”) Com humor ácido e uma boa dose de realidade, você, querida De Chanel, não me deixou me afastar do que sou, e sempre serei.

Bom, definir  isto (o que/quem sou) é tarefa herculiana, dada minha atual confusão de sentimentos e carência, devido a distância das pessoas que amo e as condições que vivo (leia-se sob pressão).

Mas sei que NÃO sou, tampouco quero ser uma alienada que compensa frustração com status.
É claro que nao vou parar de depilar, hidratar o cabelo e comprar roupitchas…
Mas fazer isso visando ser aceita num grupo de pessoas com interesses antagônicos aos meu, não dá.
Meu estilo traduz o que gosto, o que ouço, o que leio, onde vou, onde quero ir, enfim, tudo que contribuiu para eu me tornar a mulher que sou hoje.
Não preciso disso pra legitimar minha competência enquanto profissional. Não preciso de uma bolsa X ou de um carro Y.
Não preciso, não quero precisar, não quero acreditar nisso
Se estou ganhando dinheiro (by the way, nem tanto) vou investi-lo na minha sonhada viagem pra Europa (visitar o túmulo do Jim Morrison é a primeira cisa que farei quando chegar a Paris_ depois dou uma passadinha no da Coco, em sua homenagem.).

Enfim, este foi um desabafo.
Pra mostrar que essa alienação e consumismo também chegou, ha muito tempo a pontos remotos ( estou quase na fronteira com o Pará).
E sobretudo, pra mostrar que a atitude da mídia (especialmente de moda e beleza) endossada pelos consumidores tem um poder altamente destrutivo mesmo para aqueles que se consideram a salvo de tais influências.

Obrigada pelos esclarecimentos De Chanel.

Um abraço carinhoso e agradecido.

De verdade.

Leia outros depoimentos:

Menina epifânica
Menina estressada
Clarissa

que pele linda você tem! posso fazer um casaco com ela?

26 quarta-feira maio 2010

Posted by dechanelnalaje in haute couture é o meu prozac

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Tags

animais, comportamento, cultura, maquiagem, moda, personalidade

A exploração dos animais pela indústria da moda é um tema que muito me interessa e, justamente por isso, acho que vai ser meio difícil ser direta e contundente, mas vou tentar.

Buscar informações sobre esse assunto é algo muito doloroso, porque você sai daquele mundo onírico onde os animais foram criados por Deus para saciar a fome e as necessidades dos seus filhinhos queridos e mimados, e cai de pára-quedas num mundo completamente diferente, no que os animais são tratados como meros objetos, violentados, surrados, açoitados. Pois é, eles sofrem, urram, não têm direito a uma vida digna nem a uma morte minimamente decente. E tudo isso é praticado por nós, os seres racionais que estão no topo da cadeia alimentar e que se julgam os reis do universo e os únicos filhos de Deus. Deus: esse velhinho de barba branca que encheu a sua prole humana de brinquedinhos.

Eis a questão: de forma geral, a indústria trata os animais como brinquedinhos e isso é algo revoltante. Quando você decide que não está disposto a seguir sustentando essa indústria, o preço que você deve pagar é muito, muito alto. Digo isso por experiência própria e já esclareço que ainda não estou no ponto ao que quero chegar, e… sinceramente? Mea culpa. É o único que posso dizer.

Por isso, muita gente prefere não pensar nesse assunto. Seguir amando o pedigree do cachorrinho, comendo a vaquinha e vestindo a raposinha ainda é o caminho mais confortável. É cômodo comer carne todos os dias quando se ignora que, se toda a população do mundo fizesse isso também, seriam necessários vinte planetas Terras.

Por outro lado, ver uma cena de um porco com um hematoma gigante e aberto, cheio de pus, sendo lambido e até comido por outros porcos que depois vão virar presunto é duro. Ver o olhar perdido de uma raposa em carne viva, completamente sem pele, destrói inclusive o coração mais insensível. Ver aqueles extratores metálicos de leite sugando as tetas inchadas, inflamadas e cheias de pus de uma vaca te faz compreender a necessidade da pasteurização e ver a origem do seu iogurte. Pensar que vários animais maravilhosos estão hoje em extinção graças à ação predatória dos homens é vergonhoso. Exigir que as empresas humanizem o trato que dão aos animais parece missão impossível. Não se revolucionam consciências de um dia para o outro.

Com a minha pesquisa e interesse sobre esse assunto, aprendi a duras penas que o melhor para mim (para mim!) é tentar conviver de uma forma não-radical com essa realidade e consumir da forma mais consciente possível alguns produtos de origem animal dos quais ainda dependo.

Já tive os momentos nos que deixei de consumir qualquer produto de origem animal, levada por uma revolta que parecia insuperável, mas o tempo – aliado ao meu vício por queijo, manteiga e chocolate – sempre me fez recuar e até sentir um pouco de raiva de mim mesma. Esse é o tipo de limitação pessoal que me fez ver que o melhor caminho, para mim, seria o de: 1) consumir certos produtos de forma equilibrada e o mais sustentável possível, preocupando-me ao máximo com a procedência deles; 2) banir outros da minha vida completamente, sem concessões.

Direcionando para a indústria da moda, eu não veria problema em consumir produtos feitos com couro de animais criados e abatidos pela indústria alimentícia, como bois, cabras ou carneiros. No entanto, não podemos ser ingênuos. Quase nunca a indústria alimentícia atua em consonância com a indústria da peleteria. Os restos de animais gerados pela indústria alimentícia quase nunca servem para a fabricação de couro. Geralmente, os animais são abatidos de qualquer maneira, sem nenhum cuidado com a preservação da sua pele. E as empresas que criam boizinhos ou coelhinhos com o intuito de extraírem da melhor maneira possível o seu couro não se interessam em vender a carne para o consumo humano.

Pois é, aí está o x da questão: a carne dos animais é resto para a indústria peleteira e a pele dos animais é resto para a indústria alimentícia (na maioria dos casos). Ponto 1.

Ponto 2:  vejo e sempre seguirei a ver como um absurdo sem tamanho a exploração dos animais selvagens, a não ser que você seja um nômade que vive no Pólo Norte e tenha matado o animal em questão com a suas próprias mãos, numa luta de igual para igual. Como já saímos da era das cavernas há muito tempo, certas coisas perderam – ou deveriam ter perdido – o sentido. Naquele tempo, vestíamos as peles de certos animais como necessidade. Hoje, esses animais são usados para responder ao desejo de luxo. Hoje esses animais são criados e explorados com requintes de crueldade nazista, a única coisa que importa é a sua pele/pelo/qualquer coisa.

Inclusive, se fazem modificações genéticas para que esses animais tenham mais superfície de pele, mais pelo, mais/menos qualquer coisa. Não importa se eles vão ficar cegos por isso, ou atrofiados ou em depressão profunda. Não importa se vão virar obesos mórbidos ou se vão sentir uma dor dilacerante 24 horas por dia. O que importa é que existem milhares de pessoas dispostas a desembolsar rios de dinheiro para desfilar por aí ornamentadas com esses cadáveres.

A Hermès, por exemplo, está mais interessada em que a cliente dela desembolse US$120 mil para comprar um casaco de pelo de chinchila do que em saber se as chinchilas foram bem tratadas pelo fornecedor. Aliás, mesmo que elas tivessem sido tratadas a pão-de-ló num ambiente que reproduzisse fielmente o seu habitat natural (cof, cof), não vejo sentido em se fabricar nada feito com a pele desses animais. Não vejo sentido no fato de que um lobo viva em cativeiro nem vejo sentido em que se cace um lobo para que ele vire casaco. Deixem os lobos em paz! Já tiramos a paz das vacas, dos carneiros e de outros animais dosmeticados há milênios, não é suficiente? Realmente temos de conservar sob o nosso jugo todas as criaturas vivas? Até os bebês de foca, Karl Lagerfeld?


Ponto 3: essas casas de luxo que se declaram “amigas dos animais” e que dizem que as peles são ecológicas porque o trato aos animais foi humanizado, blábláblá, quase sempre estão usando uma estratégia para enganar o consumidor, ou melhor, para deixar a consciência dos seus clientes dondocos mais tranquila.

Por outro lado, existem marcas que são realmente comprometidas com a causa animal. Cada vez temos mais alternativas. Não vou citar nenhuma, porque não quero me comprometer.

Algumas pessoas dizem que o couro animal é verdadeiramente ecológico, coisa que não se pode dizer dos produtos substitutivos, na maioria das vezes fabricados com petróleo e outras substâncias poluentes. Outros falam da durabilidade quase eterna das peças de couro, se bem tratadas. Outros dão prioridade a produtos feitos com algodão, e há os que nos lembram da podridão da máfia do algodão. São dilemas. Por isso, penso que cada um deve pesquisar exaustivamente sobre essas coisas, filtrar e seguir os seus próprios princípios.

Para dicas de documentários sobre o assunto, clique em “ler mais”.

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