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E não é que a MAC conseguiu chafurdar o pé na lama? O anúncio da sua linha de maquiagens em parceria com a Rodarte não poderia ter causado mais comoção e indignação, ao frivolizar os asssassinatos de mulheres que ocorrem frequentemente em Ciudad Juárez, México. Parece que para tudo há um limite, menos para a bizarrice publicitária.

Quando a MAC lançou a campanha publicitária da linha de maquiagens assinada pela Rodarte e declaradamente inspirada no México, a blogosfera estrangeira foi inundada de posts e sobretudo de comentários que manifestavam um profundo desconforto com a proposta e com o tom da mesma. Parêntesis: aproveito para expressar o meu alívio ao comprovar que a blogosfera de moda e beleza – pelo menos, a estrangeira – está aberta a manifestar críticas embasadas e construtivas sobre temas polêmicos. Eu acredito que os blogs são um grande instrumento de contestação e que podem desempenhar um papel interessante na sociedade, e o caso MAC/Rodarte é uma prova disso.

Voltando… pelas fotos, dá para ver que a campanha tinha um ar notívago e sombrio, digamos assim, com as modelos bem pálidas e com olheiras profundas. Até aí, nenhum problema, já que estamos falando de Rodarte, né? A marca segue mesmo essa ondinha. Aí, olhando com mais calma, percebemos que as modelos simulam defuntos. Bem, como a linha foi inspirada no México, esse ar poderia perfeitamente ser uma alusão ao Día de Muertos. Para quem não conhece a tradição, no dia de Finados ocorre uma grande celebração no México. As famílias fazem uma verdadeira festa nos cemitérios, levam as comidas preferidas dos seus familiares falecidos, tocam música, fazem doces em forma de caveiras e de crânios, enfim. Só que essa teoria vai por água abaixo quando vemos os nomes dos produtos: sombra Border Town (cidade de fronteira), esmaltes Factory (fábrica) e Juárez, batons Ghost Town (cidade-fantasma) e Sleepless (sem dormir), blush Quinceañera (menina de quinze anos), gloss Del Norte (nome anterior de Ciudad Juárez).

Todos esses termos se referem ao verdadeiro drama social que se vive em Juárez, onde centenas de mulheres morrem assassinadas de forma brutal a cada ano. O nome técnico do fenômeno, altamente complexo e com grande repercussão internacional, é feminicídio. No fundo, Ciudad Juárez é praticamente sinônimo de violência machista e essa triste realidade foi usada como mote publicitário por uma firma do ramo de cosmética e maquiagem. A rejeição obviamente foi imediata e as marcas foram fortemente criticadas, não só pelos consumidores como também pelas associações de direitos humanos, locais e globais.

Tanto a MAC como a Rodarte tiveram de fazer declarações sobre a polêmica gerada pela campanha. Num primeiro momento, as duas empresas afirmaram que a intenção era nobre e que elas queriam chamar atenção para os problemas dessa cidade. Ninguém engoliu a desculpa esfarrapada, então a MAC se comprometeu a destinar uma parte do dinheiro arrecadado a organizações que combatem o feminicídio em Juárez e pediu desculpas por ter ofendido os consumidores (curioso: não pediram desculpas às mulheres de Juárez). A Rodarte teve uma postura lamentável, na minha opinião, pois continuou a bater na tecla de que a situação de Juárez era importante para a marca, mas que a intenção real da coleção era “celebrar a beleza da paisagem e das pessoas” da região. Aham, contem outra.

Tudo bem que as estilistas estivessem sensibilizadas pelo problema, até acredito nisso, mas essa não era a forma de contribuir em nenhum sentido. Se desde o começo eles tivessem declarado que uma parte da verba se destinaria a ajudar, e tivessem feito a campanha de uma forma humana e com o aval das associações, tudo bem. Mas não foi o caso. Enfim, a história não acabou assim. As associações não aceitaram a proposta da MAC e disseram que não receberiam um centavo sequer gerado pela coleção. Finalmente, depois de toda a confusão, a MAC decidiu cancelar a linha. Eu me pergunto como essas empresas puderam lançar uma campanha potencialmente bombástica dessas sem um “plano de crise” preparado.

Sobre este caso, reforço idéias que seguem a mesma linha do que expressei no post anterior. Acho lamentável, hipócrita e patético que a MAC e a Rodarte tenham explorado um problema social com fins comerciais. Dar uma aura etérea e romantizada ao feminicídio para promover maquiagem? Sem chance para mim. Se a MAC e a Rodarte estivessem realmente interessadas nos problemas de Juárez, deveriam ter procurado uma forma de ajudar. Tão simples, ora. Abraçar causas sociais e/ou ambientais não deixa de ser uma estratégia comercial para as empresas, todos sabemos disso, mas há mil formas de fazê-lo. Então, não venham com esse papo de gerar discussão sobre o problema e conseguir visibilidade, blábláblá.

Nesse caso, o gosto que fica na boca é o do oportunismo publicitário: vamos criar um pouquinho de polêmica e conseguir que falem muito da nossa coleção? Mídia espontânea é o que há. Sem citar a falta de sensibilidade, a irresponsabilidade e inclusive o escárnio. Desculpem-me, mas é impossível acreditar que a intenção era nobre. Essa justificativa não funciona e está tão batida quanto a fórmula publicitária de “conseguir repercussão a qualquer custo”. Não é só porque uma marca gera polêmica e consegue atenção para o seu produto, que o saldo final vai ser positivo. Se todo mundo falar mal, como fica? Não fica. Aí está, linha cancelada.

Para mim, foi impossível não fazer uma analogia. Imaginem se a MAC lançasse uma linha de maquiagem inspirada no Brasil: sombra Crack, batom Comando Vermelho, blush Periferia Reprimida, base Poluição, gloss Chuva Ácida, esmalte Amazônia em Chamas. Seria lindo. Todo mundo ia adorar, né? Então.

Para finalizar, vamos definir os papéis: você está aqui para vender maquiagem, fotografar editorial, promover uma marca, ganhar dinheiro ou para brincar de ONG?

UPDATE: recomendo este excelente post sobre o assunto, o mais completo que li até agora na blogosfera brasileira.